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Coluna Campelo Filho

por Campelo Filho

A nova política de EaD do MEC e o ensino jurídico no Brasil

A medida do MEC não é um retrocesso, mas sim um avanço regulatório que visa garantir a qualidade da formação jurídica e, por consequência, da própria Justiça

26/05/2025 às 11h26

26/05/2025 às 11h26

Em 2017 escrevi o artigo “O advogado e a sua formação: é preciso (re)pensar o ensino jurídico no Brasil”, publicado no site Conjur. Retomo agora esse tema e reafirmo: é preciso, sim, continuar (re)pensando o ensino jurídico no Brasil. Mais do que isso, é necessário agir — com urgência, responsabilidade e, sobretudo, com um olhar voltado à formação humanista, crítica e comprometida com a democracia e a justiça. Afinal, estamos falando de futuros advogados — os mesmos que, amanhã, deverão abraçar essa importante missão que é servir à Justiça.

 

Muito já tenho escrito sobre a importância do advogado para o Brasil e para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Na última semana — mais precisamente no dia 19 de maio — o Governo Federal, por meio do Decreto nº 12.456/2025 e da Portaria MEC nº 378/2025, estabeleceu novas diretrizes para a oferta de cursos superiores na modalidade de Educação a Distância (EaD). A decisão de vedar a oferta de cursos de Direito integralmente a distância — exigindo que pelo menos 70% da carga horária seja presencial — não é apenas uma medida técnica de regulação. Ela carrega em si um profundo reconhecimento da singularidade do ensino jurídico e da complexidade que envolve a formação de um profissional do Direito.

 

E que fique claro: não se trata de desprestigiar os avanços tecnológicos, tampouco de negar os benefícios pedagógicos do ensino híbrido. Ao contrário, trata-se de reconhecer que a formação jurídica exige mais do que a simples transmissão de conteúdos normativos. Ela requer vivência, debate, escuta, construção coletiva do saber. Exige o contato direto com professores, colegas, experiências simuladas e reais de resolução de conflitos, estágios supervisionados, prática forense, atividades de extensão e reflexão ética.

 

Quando alertei, anos atrás, para a crise de identidade do ensino jurídico brasileiro — que se intensificou neste século XXI — destaquei o descomo entre teoria e prática, a obsolescência das metodologias de ensino e o desinteresse crescente dos estudantes. O ensino massificado e, muitas vezes, mercantilizado do Direito contribuiu para o que chamei de “formação descomprometida com a transformação do ser”. Ao regulamentar o ensino jurídico com mais presença física e interação real, busca-se, de alguma forma, resgatar essa essência perdida.

 

A medida do MEC — ao excluir o curso de Direito da modalidade totalmente EaD — não é um retrocesso, mas sim um avanço regulatório que visa garantir a qualidade da formação jurídica e, por consequência, da própria Justiça. É uma sinalização clara de que não se pode formar juristas apenas por meio de telas e plataformas digitais. O Direito é, acima de tudo, diálogo, alteridade e vivência concreta da realidade social.

 

Vivemos tempos de desafios institucionais, transformações tecnológicas e múltiplas crises — climática, democrática, econômica e moral. Formar advogados, juízes, promotores, defensores, delegados e professores de Direito não é preparar técnicos da letra fria da lei, mas cidadãos com visão crítica e capacidade de intervenção ética e humanista na sociedade.

A decisão do MEC deve ser compreendida como um chamado à responsabilidade coletiva: das universidades, que precisam repensar seus currículos; dos professores, que devem atualizar suas metodologias; dos estudantes, que devem se engajar mais profundamente no processo de aprendizagem; e das instituições da Justiça, que precisam valorizar, na prática, a formação sólida e ética.

 

Repensar o ensino jurídico, nesse contexto, é reconhecer que a formação em Direito não pode ser apenas transmissiva, fragmentada ou automatizada. Ela precisa ser contextualizada, reflexiva e transformadora. E, para isso, a presença — física, intelectual e ética — é insubstituível.